sábado, 1 de agosto de 2015

O Poder Judiciário e o Homeschooling

6721507683_6c76f4fca7_o
Em meu último artigo, tentei demonstrar dois fatos. O primeiro: que o monopólio estatal da educação é uma condição sine qua non para a implantação de um Estado totalitário, coisa que até os gregos antigos sabiam e de que nem Mussolini se esqueceu. O segundo: que é direito dos pais educarem seus filhos segundo os valores que eles (pais) queiram lhes passar. Tal direito não é uma benesse estatal, não se origina na vontade do Príncipe e nem pode ser por ele restringido. É um direito natural dos pais, cabendo ao Estado apenas observá-lo.[1]
Desta forma, caso queiramos garantir, de um lado, que este monopólio estatal não exista e, de outro, que cada pai possa, caso queira, educar ele mesmo os seus filhos, então necessariamente devemos reconhecer a possibilidade incontestável de que a educação das crianças seja ministrada em sua própria casa. É com o chamado homeschooling que se garante aos pais o exercício efetivo deste direito e que se coloca uma barreira instransponível à instauração do Estado totalitário.
Muito embora haja outras vias de se garantir este direito aos pais (como livre acesso a escolas confessionais nas quais os valores que lhe são caros sejam os mesmos a serem passados aos filhos; ou como a possibilidade de que os pais venham a vetar que os filhos, mesmo na rede regular de ensino, frequentem determinadas disciplinas), o homeschooling é a mais eficiente de tais vias, tendo ainda a vantagem de ser como que uma bandeira demonstrando os limites do Príncipe e os direitos do indivíduo.
Assim, deixe-me ser claro desde o princípio (a fim de evitar que o leitor perca seu precioso tempo): neste artigo concentrar-me-ei nesta bandeira, neste direito, rebatendo alguns dos argumentos que contra ele se levantam.
O chamado homeschooling tem-se tornado um fenômeno em muitos países. Calcula-se, por exemplo, que nos EUA haja já cerca de 2.000.000 de crianças estudando em suas próprias casas, longe das barbas do papai Estado.
E isto ocorre porque é cada vez maior a percepção de que as escolas (sejam públicas e particulares) deixaram de ser um centro de divulgação do saber e transformaram-se num templo de doutrinação ideológica, no qual um determinado nicho ideias é inculcado na mente das crianças, atingindo-as justamente na idade em que mais propensas estão a terem suas consciências moldadas. Em suma, isto ocorre porque é cada vez maior a percepção de que as escolas modernas, tal qual já afirmado no artigo último, estão mais para madrassas do Estado totalitário do que para centros de divulgação do saber.
No Brasil, o número de crianças em homeschooling, com certeza, é bem menor do que nos EUA. Mas, mesmo aqui, a prática tem crescido, encontrando, contudo, resistência (ora, vejam só!) no Poder Judiciário. Muitos consideram ser juridicamente indefensável a tese de que o homeschooling seja possível em nosso país, e alguns pais que se arriscaram a tomar sobre si esta altíssima responsabilidade viram-se na contingência de serem processados criminalmente por (valha-me Deus!) abandono intelectual. E foram condenados!
Neste momento, o Supremo Tribunal Federal tem em suas mãos para julgar uma ação em que, no fundo, decidir-se-á se o Brasil garantirá este direito natural inalienável dos pais ou se afundará de vez no conceito de Estado totalitário, no qual as crianças pertencem mais ao Estado do que à família, conduzindo-nos irreversivelmente para o caminho de uma sociedade na qual não se concebem mais liberdades individuais.
É por isto que entendo por bem tecer algumas considerações que possam, na medida de minhas parcas possibilidades lançar uma luz sobre a questão.
De plano, tem-se que o artigo 205 da Constituição Federal é claríssimo ao rezar: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
Portanto, tem-se que nossa Constituição, literalmente, já oferece a chave para a correta análise do problema sob o ponto de vista jurídico. A educação é dever do Estado e da família. Aliás, tendo-se em vista a natureza deste direito, pode-se tranquilamente interpretar este dispositivo constitucional da seguinte forma: a educação é dever, primeiramente, da família e, subsidiariamente, do Estado, caso a família não possa ou não queira, ela mesma, ministrar a educação de sua prole.
Esta interpretação (insista-se: muito tranquila diante da letra do texto constitucional), por si só já oferece os instrumentos para garantir-se o direito ao homeschooling em suas diversas formas.
É sobre esta ótica (qual seja: a da existência de um direito natural devidamente assegurado na Constituição Federal) que se deve ler o malfadado artigo 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.”
Muitos veem neste dispositivo a proibição absoluta do homeschooling no Brasil, pois, se os pais devem matricular seus filhos na rede regular de ensino, por óbvio que não podem educá-los eles mesmos em casa sem a matrícula em tal rede.
Contudo, esta interpretação não é a melhor. E não é porque nega aos pais o direito natural e constitucional já mencionado de educá-los eles mesmos, razão pela qual se deve entender tal dispositivo da seguinte forma: os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino desde que não possam educá-los de outra forma.
Outro óbice levantado contra o homeschooling é o de que ele configuraria o crime de abandono intelectual do artigo 246 do Código Penal. Para os menos avisados, esclareço que o crime em questão consiste em “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”. É claro que tal interpretação não se sustenta sequer diante da letra da lei, visto que o simples fato de submeter seus filhos ao homeschooling já configura o ato de provê-los com a devida educação. Aliás, é sempre bom dizê-lo, a experiência demonstra que as crianças que apreendem em casa (longe dos bancos escolares) em geral acabam aprendendo mais (muito mais) do que as que os frequentam, razão pela qual mais próximo de um abandono intelectual se encontra o pai que alegremente entrega seu filho a uma escola pública do que aquele que, com enorme sacrifício de tempo e de dinheiro, toma para si a tarefa de educá-lo em sua própria casa.
Um último argumento resta a ser enfrentado.
Segundo alguns, o homeschooling representa uma barreira à sociabilização da criança e, portanto, de uma certa forma, representa também uma lesão ao seu direito de ter acesso a todos os meios para seu amplo desenvolvimento.
Com todo respeito aos que advogam esta tese, o argumento é dos mais bocoiós. Isto porque ele parte do pressuposto absurdo de que a única fonte de sociabilização de uma criança é a escola, o que é patentemente falso.
Uma criança sociabiliza-se com seus irmãos e parentes. Sociabiliza-se com amigos de sua rua. Com crianças que participam de outras atividades extracurriculares (como futebol, natação, academias, etc.). Sociabiliza-se com tudo e com todos.
Sociabiliza-se, sobretudo, com os adultos que frequentam o mundo de seus pais. Não se pode perder de vista que a sociabilização de uma criança com outras crianças serve para o lúdico; porém, sua sociabilização com adultos serve, sobretudo, para prepará-la para a vida adulta, vida esta que é (ou pelo menos deveria ser) a meta de toda e qualquer educação.
Com este pequeno artigo tentamos traçar um caminho para que se possa defender juridicamente o direito dos pais de educar seus filhos. Trata-se quase que de um apelo para que os juízes que nos leem não obstem desnecessariamente um direito natural dos indivíduos e não abram ainda mais espaço para o avanço do Estado totalitário. Não se trata, insisto, de assunto de pequena importância, mas de algo fundamental para a própria sobrevivência das liberdades individuais. Exatamente por isto, e exatamente por saber que não é com dois artigos que se mudam as ideias das pessoas, provavelmente voltaremos ao tema no futuro.
[1] Hoje em dia, muitos torcem o nariz ao ouvirem falar de direitos naturais, negando a possibilidade mesma de que haja uma ordem transcendente a que todos devem obedecer. Estes, queiram ou não, já caíram no conto do “Estado Total”, pois não conseguem conceber nada que não seja uma dádiva mesma do poder constituído. Por mais que percebam que algo vai mal com o modelo atual de coisas, cedo ou tarde cairão em armadilhas intelectuais das quais não poderão se livrar sem uma certa dose de incoerência.

Alexandre Semedo de Oliveira
Movimento Magistrados Para a Justiça

Nenhum comentário:

Postar um comentário