sábado, 1 de agosto de 2015

A Maioridade Penal e o Enigma da Zebra

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Como todos sabem, a zebra é um animal curioso. Sua simples presença impõe um questionamento a quem quer que a veja: é ela um animal branco com listras pretas ou um animal preto com listras brancas?
A resposta é: depende.
Sim, pois quem quiser enxergar um animal preto, ver-se-á na contingência de admitir nela listras brancas a atrapalhar sua negritude; por outro lado, quem quiser ver nela um animal branco, terá que se curvar ao fato de que há listras negras em meio à sua brancura.
Assim, ela é tanto um animal branco quanto um animal preto; e, justamente por isto, não é nem branco nem preto. É e não é ao mesmo tempo. Tudo dependendo de quem o enxerga.
Guardadas as devidas proporções, o projeto de redução da maioridade penal aprovado em primeiro turno de votação na Câmara dos Deputados nos propõe dilema semelhante. Em geral, a maioridade penal foi mantida aos dezoito anos; como exceção, menores que cometerem crimes hediondos, homicídios qualificados e lesões corporais graves ou seguidas de morte serão tidos, também eles, como imputáveis.
Assim, é inevitável que quem quer que leia o mencionado projeto faça a seguinte indagação: aprovado ele, a maioridade penal será ou não reduzida para dezesseis anos?
A resposta é: depende.
Para alguns crimes, haverá a redução; para outros, não. Assim, quem atingir os dezesseis anos continuará penalmente inimputável em regra; mas será plenamente imputável na esfera penal por determinados delitos. Será ao mesmo tempo inimputável e imputável.
Um inimputável com listras de imputabilidade. Ou, se preferirem, um imputável com listras de inimputabilidade.
Depende de quem vê.
Pois os deputados quiseram agradar ao mesmo tempo a “esquerda” (que antipatiza com qualquer projeto que puna criminosos) e a “direita”; quiseram agradar “progressitas” e “conservadores”.
É por isto que não se sabe exatamente se a votação de ontem foi uma vitória da “direita”, com pequenas baixas à esquerda, ou se foi uma vitória da esquerda com pequenas concessões à direita. Foi um triunfo do pensamento conservador ascendente com o pagamento de um tributo à esquerda em queda livre? Ou foi como que um canto de cisne da esquerda agonizante com notas dissonantes ditadas pela direita ressurgente?
Em suma: estamos diante de um aríete conservador a derrubar as portas da cidadela da revolução socialista ou diante de um cavalo de Tróia esquerdista entregue no campo conservador?
A resposta a estas questões é: depende.
Basicamente, depende de quem vê e do que se quer enxergar.
Esquerdistas e conservadores têm algo a comemorar. Esquerdistas e conservadores têm muito do que se lamentar. Os otimistas comemorarão: dependendo de que lado estejam, uns comemorarão o fato de que a maioridade penal foi reduzida para muitos crimes; outros, o de que foi mantida para a maioria deles. Os pessimistas lamentarão: os da “direita”, lamentarão o fato de que a maioria dos crimes cometidos por menores ainda não serão alcançados pela justiça; os da “esquerda”, celebrarão o fato de que apenas alguns delitos o serão.
Uns lamentarão as listras brancas na negritude do projeto; outros, as listras negras num projeto que prometia um branco total.
Tudo dependerá da abordagem dada.
Enquanto não se sabe se o projeto avançará e se converterá, finalmente, em Emenda à Constituição, ele permanece como uma amostra da incapacidade da sociedade brasileira atual de verdadeiramente enfrentar seus problemas e de chamar de branco o que é branco e de preto o que é preto.
Em suma, o projeto é como uma zebra; mas uma zebra que nos sorri, como que a caçoar-se de nossa incompetência…

Alexandre Semedo de Oliveira
In Movimento Magistrados para a Justiça

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