sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Proteção aos direitos da criança e do adolescente desportista

É inegável a grande dimensão que o esporte possui no mundo atual. Tal importância é constatada tanto na esfera econômica quanto social, sendo o futebol a principal prática desportiva atual se considerada a quantidade de praticantes. Contudo, esse grande avanço do esporte também trouxe consigo graves problemas, pois em um mundo moderno o esporte não é mais visto apenas como um modo de recreação, mas como uma grande fonte potencial de lucros, abrindo espaço para a infringência de normas de proteção aos direitos humanos, assim como ocorre em outras atividades em que o capital possui posição central e de destaque.
Nesse contexto de busca de acumulação de riquezas através do desporto, tornou-se necessário uma maior proteção a crianças e adolescentes, que possuem papel de inferioridade com relação a clubes e entidades e, por isso acabam sendo explorados e tendo seus direitos violados. Esses jovens são vistos cada vez mais precocimente como uma possibilidade de investimento e geração de lucros e muitas vezes acabam sendo forçados a trabalhar e desenvolver atividades não condizentes com a condição de jovem e criança, papel esse defendido e exaltado por diversas organizações e tratados internacionais.
A FIFA - Fédération Internationale de Football Association - como entidade privada máxima de organização do futebol tem no decorrer dos anos acompanhado essa tendência internacional e se preocupado de modo crescente com a proteção de crianças e adolescentes na prática profissional deste desporto, apesar de ainda serem observados vários casos de violação. A associação tem buscado inserir em suas regras mecanismos que inibem e desestimulam a profissionalização em períodos inapropriados e incentivado as chamadas escolas formadoras de atletas, que unem o esporte com ensino escolar.
A atuação da FIFA se dá através de seus regulamentos e estatutos, partindo suas normas do seu órgão máximo e central até as confederações nacionais. Sua normas buscam regulamentar a prática do futebol em geral, porem com uma harmonização com tratados internacionais e ordenamentos nacionais, sendo muitas vezes subordinadas a essas.
A Federação Internacional de Futebol possui dois mecanismos principais para a proteção de crianças e adolescentes. A estipulação de uma idade mínima para o inicio da prática profissional e o controle de transferências internacionais.
Segundo suas normas, o primeiro contrato profissional pode ser assinado somente aos 16 anos. Sua duração máxima é de 3 anos, sendo divergente da legislação nacional que possibilita o contrato com duração máxima de 5 anos. Antes de atingirem essa idade, é permitido contratos de natureza civil com a chamadas escolas formadoras que com a novas regras de transferência internacional passaram a possuir grande destaque.
Essas escolas formadoras são locais onde o jovem atleta possui uma estrutura para desenvolver e aprimorar suas atividades no futebol, mas que também ofereçam ou possibilitem a educação e formação pessoal. A formação de um atleta se da entre os 12 anos aos 23 anos de idade. Durante este período esse atletas em formação podem receber uma chamada ajuda de custo, que pode ser através de dinheiro, hospedagem ou alimentação, mas que não caracterizam um salário ou um vinculo empregatício.
Essa figura de escola formadora visa a valorização do atleta jovem, garantindo direitos inerentes a sua condição, e do próprio local de sua formação, pois foi inserido por uma regulamentação de 2008 a figura da indenização a ser paga em caso de transferência internacional, onde a escola formadora recebe uma quantia determinada a cada transferência do jogador, valorizando assim tudo o que foi investido na formação do profissional.
Por ser uma organização mundial e estar sujeita a ordenamentos nacionais, a figura de maior destaque na proteção de crianças e adolescentes no futebol por parte da FIFA tem sido a regulamentação das transferências internacionais de jogadores. Sempre que um jogador se transfere de um clube para outro fora das mesma fronteiras é necessário o certificado internacional de transferência (CIT) emitido pela FIFA para que este seja registrado na confederação nacional de seu novo clube.
Segundo o art. 9 do regulamento de transferência de atletas (referência 1), o atleta com menos de doze anos não pode requerer o denominado CIT, que somente pode ser requerido a partir dos dezoito anos. Contudo o referido regulamento estabelece alguns critérios para permitir que a transferência do atleta menor ocorra excepcionalmente, critérios que tem se mostrado ineficientes no que tange a proteção garantida aos menores. São três as hipóteses segundo o artigo 19, conforme a seguir se expõe:
“Article 19. Protection of minors 1. International transfers of players are only permitted if the player is over the age of 18. 2. The following three exceptions to this rule apply: a) The player´s parents move to the country in which the new club is located for reasons not linked to football; b) The transfer takes place within the territory of the European Union (EU) or European Economic Area (EEA) and the player is aged between 16 and 18. In this case, the new club must fulfill the following minimum obligations: i) It shall provide the player with an adequate football education and/or training in line with the highest national standards; ii) It shall guarantee the player an academic and/or school and/or vocational education and/or training, which will allow the player to pursue a career other than football should he cease playing professional football; iii) It shall make all necessary arrangements to ensure that the player is looked after in the best possible way (optimum living standards with a host family or in club accommodation, appointment of a mentor at the club, etc.); iv) It shall, on registration of such a player, provide the relevant association with proof that it is complying with the aforementioned obligations. C) The player lives no further than 50Km from a national border and the club with which the player wishes to be registered in the neighbouring association is also within 50Km of that border. The maximum distance between the player´s domicile and the club´s headquarters shall be 100Km. In such cases, the player must continue to live at home and the two associations concerned must give their explicit consent. 3. The conditions of this article shall also apply to any player who has never previously been registered with a club and is not a national of the country in which he wishes to be registered for the first time. 4. Each association shall ensure the respect of this provision by its clubs. 5. The Players´ Status Committee shall be competent to decide on any dispute arising in relation to these matters and shall impose appropriate sanctions in the event of violations of this provision".
São portanto 3 possibilidades que se aplicam: (i) os pais do jogador se mudarem para outro País por razões de trabalho não relacionadas com o futebol; (ii) se a transferência ocorrer dentre países da União Européia (EU) ou da Área Econômica Européia (AEE), observadas obrigações mínimas previstas no Regulamento; ou (iii) se o atleta viver a não mais que cinquenta quilômetros da fronteira de outro país e o clube a que o atleta pretenda se transferir também esteja a cinquenta quilômetros da fronteira.
Na primeira possibilidade nos parece que a FIFA buscou inibir a contratação dos pais do atleta por parte dos clubes, prática frequente na busca por novos talentos. Porém essa prática ainda continua, pois conforme a redação legal, a mudança não pode ocorrer por razões relacionadas ao futebol, sendo utilizado como meio de subterfúgio a contratação dos pais por empresas não ligadas diretamente ao futebol, mas que possuem relações com o clube.
Já segunda possibilidade trata-se da valorização do espaço europeu como um todo, inserido no contexto da criação da união européia que busca eliminar barreiras físicas e comercias comumente impostas pelos estados nacionais. Pretendeu autorizar a mercantilização do trabalho do atleta menor, desde que ocorra dentro da Comunidade Européia.
Por ultimo, temos a terceira hipótese que ocorre em pouquíssimos casos verificados na prática, sendo, portanto não muito útil na tentativa da entidade de inibir o mercantilismo do atleta, principalmente em um país como o Brasil que possui dimensões continentais.
O regulamento de transferências da FIFA buscou em sua redação proteger crianças e adolescentes em seu período de formação, contudo ainda precisa ser melhorado e adaptado para garantir uma efetiva proteção. Mecanismos como a contratação de pais de atletas por empresas ligadas aos clubes ou utilização de vistos de estudo tem sido utilizados para burlar o regulamento, demonstrando a sua necessidade de aprimoramento.
Contudo, têm se verificado também uma maior participação e rigidez na investigação por partes das federações no que tange a irregularidade de contratos de atletas menores, demonstrando uma evolução a caminho da correta relação entre jovens, esporte e profissionalização. Nesse sentido foi a investigação do registro de três menores nigerianos junto à Federação Dinamarquesa de Futebol e ao clube FC Midtjylland, realizados sob o pretexto de que os atletas possuíam visto de estudo para aquele país. O Comitê concluiu que a hipótese prevista no mencionado artigo 19 não comporta outras exceções que não aquelas nele expressamente previstas, tornando sem efeito os referidos registros.

DOS ANJOS, Leonardo Serafim. Compatibilidade das regras de transferência da FIFA frente à legislação brasileira. In: Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo.
FILHO, Álvaro Melo. Direito Desportivo – Novos Rumos. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2005.
Fifa. Com - Regulations on the status and transfer of players

JusBrasil

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