É inegável a grande dimensão que o esporte possui no mundo atual. Tal
importância é constatada tanto na esfera econômica quanto social, sendo
o futebol a principal prática desportiva atual se considerada a
quantidade de praticantes. Contudo, esse grande avanço do esporte também
trouxe consigo graves problemas, pois em um mundo moderno o esporte não
é mais visto apenas como um modo de recreação, mas como uma grande
fonte potencial de lucros, abrindo espaço para a infringência de normas
de proteção aos direitos humanos, assim como ocorre em outras atividades
em que o capital possui posição central e de destaque.
Nesse
contexto de busca de acumulação de riquezas através do desporto,
tornou-se necessário uma maior proteção a crianças e adolescentes, que
possuem papel de inferioridade com relação a clubes e entidades e, por
isso acabam sendo explorados e tendo seus direitos violados. Esses
jovens são vistos cada vez mais precocimente como uma possibilidade de
investimento e geração de lucros e muitas vezes acabam sendo forçados a
trabalhar e desenvolver atividades não condizentes com a condição de
jovem e criança, papel esse defendido e exaltado por diversas
organizações e tratados internacionais.
A FIFA - Fédération
Internationale de Football Association - como entidade privada máxima de
organização do futebol tem no decorrer dos anos acompanhado essa
tendência internacional e se preocupado de modo crescente com a proteção
de crianças e adolescentes na prática profissional deste desporto,
apesar de ainda serem observados vários casos de violação. A associação
tem buscado inserir em suas regras mecanismos que inibem e desestimulam a
profissionalização em períodos inapropriados e incentivado as chamadas
escolas formadoras de atletas, que unem o esporte com ensino escolar.
A
atuação da FIFA se dá através de seus regulamentos e estatutos,
partindo suas normas do seu órgão máximo e central até as confederações
nacionais. Sua normas buscam regulamentar a prática do futebol em geral,
porem com uma harmonização com tratados internacionais e ordenamentos
nacionais, sendo muitas vezes subordinadas a essas.
A Federação
Internacional de Futebol possui dois mecanismos principais para a
proteção de crianças e adolescentes. A estipulação de uma idade mínima
para o inicio da prática profissional e o controle de transferências
internacionais.
Segundo suas normas, o primeiro contrato
profissional pode ser assinado somente aos 16 anos. Sua duração máxima é
de 3 anos, sendo divergente da legislação nacional que possibilita o
contrato com duração máxima de 5 anos. Antes de atingirem essa idade, é
permitido contratos de natureza civil com a chamadas escolas formadoras
que com a novas regras de transferência internacional passaram a possuir
grande destaque.
Essas escolas formadoras são locais onde o
jovem atleta possui uma estrutura para desenvolver e aprimorar suas
atividades no futebol, mas que também ofereçam ou possibilitem a
educação e formação pessoal. A formação de um atleta se da entre os 12
anos aos 23 anos de idade. Durante este período esse atletas em formação
podem receber uma chamada ajuda de custo, que pode ser através de
dinheiro, hospedagem ou alimentação, mas que não caracterizam um salário
ou um vinculo empregatício.
Essa figura de escola formadora visa
a valorização do atleta jovem, garantindo direitos inerentes a sua
condição, e do próprio local de sua formação, pois foi inserido por uma
regulamentação de 2008 a figura da indenização a ser paga em caso de
transferência internacional, onde a escola formadora recebe uma quantia
determinada a cada transferência do jogador, valorizando assim tudo o
que foi investido na formação do profissional.
Por ser uma
organização mundial e estar sujeita a ordenamentos nacionais, a figura
de maior destaque na proteção de crianças e adolescentes no futebol por
parte da FIFA tem sido a regulamentação das transferências
internacionais de jogadores. Sempre que um jogador se transfere de um
clube para outro fora das mesma fronteiras é necessário o certificado
internacional de transferência (CIT) emitido pela FIFA para que este
seja registrado na confederação nacional de seu novo clube.
Segundo
o art. 9 do regulamento de transferência de atletas (referência 1), o
atleta com menos de doze anos não pode requerer o denominado CIT, que
somente pode ser requerido a partir dos dezoito anos. Contudo o referido
regulamento estabelece alguns critérios para permitir que a
transferência do atleta menor ocorra excepcionalmente, critérios que tem
se mostrado ineficientes no que tange a proteção garantida aos menores.
São três as hipóteses segundo o artigo 19, conforme a seguir se expõe:
“Article
19. Protection of minors 1. International transfers of players are only
permitted if the player is over the age of 18. 2. The following three
exceptions to this rule apply: a) The player´s parents move to the
country in which the new club is located for reasons not linked to
football; b) The transfer takes place within the territory of the
European Union (EU) or European Economic Area (EEA) and the player is
aged between 16 and 18. In this case, the new club must fulfill the
following minimum obligations: i) It shall provide the player with an
adequate football education and/or training in line with the highest
national standards; ii) It shall guarantee the player an academic and/or
school and/or vocational education and/or training, which will allow
the player to pursue a career other than football should he cease
playing professional football; iii) It shall make all necessary
arrangements to ensure that the player is looked after in the best
possible way (optimum living standards with a host family or in club
accommodation, appointment of a mentor at the club, etc.); iv) It shall,
on registration of such a player, provide the relevant association with
proof that it is complying with the aforementioned obligations. C) The
player lives no further than 50Km from a national border and the club
with which the player wishes to be registered in the neighbouring
association is also within 50Km of that border. The maximum distance
between the player´s domicile and the club´s headquarters shall be
100Km. In such cases, the player must continue to live at home and the
two associations concerned must give their explicit consent. 3. The
conditions of this article shall also apply to any player who has never
previously been registered with a club and is not a national of the
country in which he wishes to be registered for the first time. 4. Each
association shall ensure the respect of this provision by its clubs. 5.
The Players´ Status Committee shall be competent to decide on any
dispute arising in relation to these matters and shall impose
appropriate sanctions in the event of violations of this provision".
São
portanto 3 possibilidades que se aplicam: (i) os pais do jogador se
mudarem para outro País por razões de trabalho não relacionadas com o
futebol; (ii) se a transferência ocorrer dentre países da União Européia
(EU) ou da Área Econômica Européia (AEE), observadas obrigações mínimas
previstas no Regulamento; ou (iii) se o atleta viver a não mais que
cinquenta quilômetros da fronteira de outro país e o clube a que o
atleta pretenda se transferir também esteja a cinquenta quilômetros da
fronteira.
Na primeira possibilidade nos parece que a FIFA buscou
inibir a contratação dos pais do atleta por parte dos clubes, prática
frequente na busca por novos talentos. Porém essa prática ainda
continua, pois conforme a redação legal, a mudança não pode ocorrer por
razões relacionadas ao futebol, sendo utilizado como meio de subterfúgio
a contratação dos pais por empresas não ligadas diretamente ao futebol,
mas que possuem relações com o clube.
Já segunda possibilidade
trata-se da valorização do espaço europeu como um todo, inserido no
contexto da criação da união européia que busca eliminar barreiras
físicas e comercias comumente impostas pelos estados nacionais.
Pretendeu autorizar a mercantilização do trabalho do atleta menor, desde
que ocorra dentro da Comunidade Européia.
Por ultimo, temos a
terceira hipótese que ocorre em pouquíssimos casos verificados na
prática, sendo, portanto não muito útil na tentativa da entidade de
inibir o mercantilismo do atleta, principalmente em um país como o
Brasil que possui dimensões continentais.
O regulamento de
transferências da FIFA buscou em sua redação proteger crianças e
adolescentes em seu período de formação, contudo ainda precisa ser
melhorado e adaptado para garantir uma efetiva proteção. Mecanismos como
a contratação de pais de atletas por empresas ligadas aos clubes ou
utilização de vistos de estudo tem sido utilizados para burlar o
regulamento, demonstrando a sua necessidade de aprimoramento.
Contudo,
têm se verificado também uma maior participação e rigidez na
investigação por partes das federações no que tange a irregularidade de
contratos de atletas menores, demonstrando uma evolução a caminho da
correta relação entre jovens, esporte e profissionalização. Nesse
sentido foi a investigação do registro de três menores nigerianos junto à
Federação Dinamarquesa de Futebol e ao clube FC Midtjylland, realizados
sob o pretexto de que os atletas possuíam visto de estudo para aquele
país. O Comitê concluiu que a hipótese prevista no mencionado artigo 19
não comporta outras exceções que não aquelas nele expressamente
previstas, tornando sem efeito os referidos registros.
DOS
ANJOS, Leonardo Serafim. Compatibilidade das regras de transferência da
FIFA frente à legislação brasileira. In: Atualidades sobre direito
esportivo no Brasil e no mundo.
FILHO, Álvaro Melo. Direito Desportivo – Novos Rumos. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2005.
Fifa. Com - Regulations on the status and transfer of players
JusBrasil
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