Recentemente viralizou nas redes sociais a notícia sobre a existência de um site denominado “Tudo Sobre Todos” (http://www.tudosobretodos.se),
no qual é possível aos respectivos assinantes obter os dados pessoais
de qualquer pessoa (natural ou jurídica), como endereço, CPF, data de
nascimento, sexo, parentesco etc.
O fato tem gerado intenso
debate entre estudiosos do Direito, pelo fato de a existência de um
serviço dessa natureza ter o potencial de violar direitos fundamentais
como a intimidade e a privacidade, etiquetados no art. 5º, X, da CRFB/88, e também expressamente protegidos por normas infraconstitucionais.
Diante
de tal fato, no dia 24/07/2015 o Ministério Público Federal proferiu
despacho determinando a investigação do referido site, que afirma em sua
própria página que: (i) todos os dados coletados pelo site Tudo Sobre
Todos são públicos; (ii) a origem dos dados são cartórios, decisões
judiciais publicadas, diários oficiais, foros, bureaus de informação,
redes sociais e consultas em sites públicos na internet; (iii) o serviço
prestado e a informação apresentada no website sempre respeitam a
legislação; (iv) as pesquisas feitas no site nunca serão divulgadas e
(v) pessoas e empresas pesquisadas não são comunicadas das pesquisas
feitas (veja aqui).
Aqui
abre-se um breve parêntese para registrar que os dados pessoais
fornecidos pelas partes nos processo judiciais o são por expressa
determinação do Estado, por meio de lei, como requisitos a serem
observados por quem está demandando em juízo, e servem para que o
próprio Estado identifique a pessoa, de modo a lhe direcionar as
comunicações do processo, efetuar restrições e impedimentos judiciais
etc; enfim, objetiva-se garantir a ordem pública.
Também buscando
atender ao estrito interesse público é que cartórios exigem dados
completos das pessoas para que possam efetivar os registros públicos,
para “autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (art. 1º da Lei 6.015/73 – Lei de Registros Publicos), de modo que se garanta eficácia erga omnes àqueles registros.
Contudo,
apesar de deter os dados pessoais das pessoas, sequer ao Estado é
lícito fornecê-los a terceiros particulares. Apenas para ilustrar,
veja-se que o remédio constitucional do habeas data objetiva a obtenção
de dados, junto ao Estado, sobre a pessoa do impetrante (art. 5º, LXXII, a, da CRFB/88).
Ou seja, não se admite a impetração daquele writ para o conhecimento de
dados de terceiros. Assim, é vedado ao Estado fornecer dados de
terceiros a particulares. Outro exemplo: vá o leitor até a Receita
Federal e tente obter o número do CPF de alguém (boa sorte!).
Em
outras palavras, salvo melhor juízo, os dados pessoais do cidadão não
servem para o atendimento de interesse particulares, não se revestindo
de licitude a sua divulgação pública a outras pessoas que se encontram
juridicamente no plano horizontal. Afinal, a quem interessa a exibição
desses dados? Qual a razão dessa horizontalidade?
Ao Estado
devemos satisfações atinentes à nossa vida pública (e mesmo assim com as
restrições impostas pela própria lei) e, excepcionalmente, sobre nossa
vida privada, como é o caso de investigações sociais em concursos para
ingresso no funcionalismo público (aliás, muitas vezes de legalidade
duvidosa). Contudo, essas informações permanecem incólumes nos bancos de
dados estatais, para uso do Poder Público nos casos previstos em lei.
Nesse contexto, rememore-se que a administração pública deve obediência
ao princípio da legalidade, sendo-lhe permitido fazer somente o que a
lei expressamente determina ou agir discricionariamente, mas, ainda
assim, dentro da margem permissiva da lei para a prática dos atos
discricionários.
Perceba-se que os direitos fundamentais são
classicamente entendidos como verdadeiras proteções conferidas à pessoa
contra eventuais arbítrios estatais (eficácia vertical). Ora, se a Constituição
da República confere à pessoa o direito fundamental de se proteger do
próprio Estado – que se orienta pela supremacia do interesse público
sobre o interesse privado -, com muito mais razão deve ser dispensada
proteção à pessoa contra atos de outros que se encontram na mesma
posição jurídica (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Assim,
é inconcebível no Estado Democrático de Direito que a vida particular
de alguém seja investigada, devassada por terceiros.
Prosseguindo,
já foi notícia o fato de que sociedades empresárias que administram
redes sociais na internet venderam dados pessoais de usuários a outras
sociedades empresárias, geralmente com objetivos comerciais, de modo a
facilitar ações de marketing, e assim otimizar o direcionamento de
produtos e serviços ao público consumidor, sendo exemplo claro dessa
prática o chamado spam. Exemplo disso foi a notícia da venda de dados
empreendida pelo Twitter às sociedades Boulder Gnip, sediada nos EUA, no
estado do Colorado e a Data Shift, sediada no Reino Unido (leia a
notícia aqui).
Quanto
a esse contexto, nem me alongarei, pois são amplamente conhecidos e
vividos os transtornos pelos quais milhares de consumidores passam em
nosso país, em razão das técnicas agressivas de marketing praticadas
pelos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo. Grande
parte dos quase 50 milhões de processos que tramitam no Judiciário
brasileiro dizem respeito ao considerável desperdício do tempo útil ou
livre do consumidor na tentativa de cancelar contratos que não firmou,
de fazer cessar as insistentes ligações de centrais de telemarketing
etc.
Nada obstante, a permissão de consultas de dados pessoais
pelo site “Tudo sobre Todos” revela um potencial danoso ainda maior: a
captação desses dados por criminosos.
Explico.
Fato
bastante comum é a prática de inúmeras fraudes por estelionatários,
valendo-se de dados de terceiros, obtidos clandestinamente. Geralmente
esses criminosos agem como (ou através de) hackers, obtendo os dados
pessoais de terceiros por meio de programas de phishing, que enviam
mensagens falsas (mas revestidas de aparente veracidade) a usuários de
e-mails e de redes sociais, induzindo o usuário a fornecer seus dados,
exatamente com o objetivo de captar informações como o nome completo da
pessoa, seu número de RG e de CPF, endereço, filiação, data de
nascimento etc. Para contratar em nome do titular daqueles dados. Como
atualmente grande parte dos contratos de consumo são firmados
eletronicamente, isto é, sem que o fornecedor se certifique de que quem
está contratando com ele é realmente o titular das informações que lhe
são fornecidas, isso faz com que o nome de muitos consumidores sejam
inseridos em arquivos negativos de consumo, dos quais são espécies os
bancos de dados e cadastros de inadimplentes, sem que sejam os
verdadeiros devedores, já que nada contrataram.
Ora, se esse tipo
de fraude já ocorre com relativa facilidade sem que os dados pessoais
das pessoas sejam livremente disponibilizados, imagine agora, com a
existência do site “Tudo sobre Todos”, quando essas informações estão
livres para serem acessadas pelos assinantes do serviço! Dá pra imaginar
quanto essas fraudes aumentarão?!
Enfim, o fato é que a ordem
jurídica nacional protege expressamente a intimidade e a privacidade
como direitos fundamentais, portanto passíveis de invocação contra
eventuais ingerências estatais (eficácia vertical dos direitos
fundamentais). Sendo assim, com muito mais razão merecem proteção contra
ataques de particulares (eficácia horizontal dos direitos
fundamentais).
No momento em que se escreve este texto as
autoridades ainda investigam a legalidade da página, cujos servidores
são franceses, e é administrada por uma sociedade empresária situada na
ilha de Mahé, na República das Seychelles, no Oceano Índico. Daí se
percebe que as dificuldades a serem superadas pelas autoridades serão
grandes, pelo que lhes desejamos boa sorte!
JusBrasil
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