sábado, 22 de outubro de 2011

Em Pé de Guerra, Judiciário e Legislativo de Goiás se Confrontam

Os poderes Judiciário e Legislativo em Goiás estão em pé de guerra. Motivo: a redução do horário de funcionamento da Justiça no estado. Até o meio do ano, o expediente forense era de oito horas, das 8h às 11h e das 13h às 18h. O horário foi mudado por resolução do Tribunal de Justiça, aprovada em 22 de junho, e passou a ser de sete horas ininterruptas: das 12h às 19h.
A seccional de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil contestou a mudança no Conselho Nacional de Justiça e trabalhou junto à Assembleia Legislativa do estado para que o horário anterior fosse restabelecido. Na última terça-feira (18/10), os deputados goianos aprovaram decreto legislativo que derruba a mudança de horário. Instaurou-se o clima de animosidade.
Juízes consideraram o ato uma intromissão indevida de um poder em outro. Em nota oficial (leia abaixo), o presidente do TJ goiano, Vitor Barboza Lenza, afirmou que “é inconcebível a ingerência do Poder Legislativo de Goiás nas decisões do Poder Judiciário goiano, especialmente quanto ao seu funcionamento e adequações internas”.
Menos diplomático, o juiz auxiliar da presidência do tribunal, Aureliano Albuquerque Amorim, afirmou em seu twitter que a decisão seria ignorada porque não tinha valor jurídico. “Sem qualquer valor jurídico a posição da Assembleia sobre horário. Absurdo jurídico. Horário está mantido”, escreveu. Em mais uma postagem na rede social, o magistrado ironizou a decisão do Legislativo: “Se a ALEGO pode, também posso. Fica revogada a resolução da Assembleia, a Constituição e até a lei da gravidade”. Fato é que até sexta-feira (21/10) o Judiciário em Goiás ainda funcionava das 12h às 19h.
O presidente da OAB goiana, Henrique Tibúrcio, afirmou que quem primeiro invadiu competência que não lhe pertencia foi o Poder Judiciário. “Antes de se questionar o decreto da Assembleia, é necessário observar que a resolução do tribunal feriu a independência entre os poderes porque o horário de funcionamento só poderia ser mudado por meio de lei”, afirmou Tibúrcio à revista Consultor Jurídico. “O presidente do TJ é que invadiu a esfera do Legislativo”, disse.
O presidente da seccional da OAB em Goiás disse que, caso o Judiciário não respeite o decreto legislativo, tomará as providências jurídicas cabíveis para fazer valer a decisão da Assembleia. “Como isso é algo sui generis, que raramente se vê, iremos reclamar novamente ao CNJ caso o presidente do tribunal insista em não cumprir o decreto”, afirmou Tibúrcio.
A ConJur procurou ouvir o TJ de Goiás por meio de sua assessoria de imprensa, que informou que o tribunal se manifestou por meio da nota oficial e não voltaria, ao menos por enquanto, a comentar o caso. Quem acompanha o desenrolar do assunto de perto afirma que juízes goianos têm criticado deputados e dirigentes da OAB com vigor. Da mesma forma que deputados e advogados consideram absurda a ideia de o Judiciário goiano não se render ao decreto legislativo. O clima é de batalha.
Horário padrão
A discussão já está no CNJ. A seccional da OAB reclamou ao Conselho que a decisão do Judiciário de mudar o horário de funcionamento só poderia ser feita por meio de lei. Isso porque o expediente forense anterior é previsto na Lei Estadual 9.129/81, que criou o Código de Organização Judiciária do estado de Goiás. Se o horário é previsto em lei, só poderia ser modificado por meio de lei, sustenta a Ordem.
Esse é o mesmo fundamento do deputado estadual Misael Oliveira (PDT), que propôs o projeto de decreto legislativo para suspender a Resolução 11/2011 do Tribunal de Justiça, que modificou o horário de funcionamento do Judiciário goiano. No CNJ, o relator da reclamação da OAB é o conselheiro Bruno Dantas. Na última terça-feira, o conselheiro suspendeu uma audiência de instrução que seria feita no dia seguinte para discutir o caso. De qualquer forma, no mesmo dia, o decreto da discórdia foi aprovado pelos deputados estaduais.
A discussão sobre a fixação de um horário padrão da Justiça em todo o país está em discussão no Supremo Tribunal Federal. Mas o CNJ poderá vir a se pronunciar sobre o caso de Goiás porque a causa de pedir do processo da OAB é diferente da ação que está no STF.
No caso em andamento no CNJ, a OAB contesta o que considera a invasão da competência do Poder Judiciário nas atribuições do Legislativo. No Supremo, a discussão é mais ampla: se ataca a resolução do CNJ que fixou horário padrão de trabalho para o Judiciário nacional.
O debate sobre o horário de funcionamento dos tribunais costuma render boas polêmicas. Em 30 de junho passado, o ministro Luiz Fux, do Supremo, suspendeu liminarmente a resolução do CNJ que fixou horário uniforme de atendimento ao público nos tribunais do país. Fux concedeu a liminar em ação ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). De acordo com o ministro, a decisão foi necessária porque a resolução entraria em vigor no dia 4 de julho, durante o recesso judicial do STF.
O ministro explicou que pediu informações para todos os tribunais do país para decidir o mérito da ação, mas ainda não as tinha recebido naquela ocasião. Por isso, foi necessário suspender a nova regra até que os tribunais se manifestassem sobre o tema.
A AMB contesta a Resolução 130 do CNJ, que fixou jornada de oito horas diárias aos servidores do Judiciário e determinou que o horário de atendimento ao público seja das 9h às 18h em todo o país. Para a AMB, ao editar a resolução, o CNJ praticou inconstitucionalidade “formal e material”, pois dispôs tanto sobre matéria de lei da iniciativa privativa do Poder Executivo, como sobre matéria de regimento dos tribunais, criando obrigação financeira de forma imprópria e violando o Pacto Federativo.
Não há previsão para o julgamento da ação, nem para que os poderes em Goiás entrem em um entendimento. Quem acompanha de perto as discussões em território goiano garante que as relações estão muito desgastadas e o caso deve ser resolvido apenas com a intervenção do CNJ ou dos tribunais superiores em Brasília.
Clique aqui para ler o decreto legislativo.
Leia a nota oficial do Tribunal de Justiça de Goiás sobre a aprovação do decreto legislativo
Tendo em vista a notícia de aprovação preliminar pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás de Decreto Legislativo que, em flagrante desrespeito às Constituições Federal e Estadual, “suspende” dispositivo da Resolução nº 11/2011 do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), declaramos:
1) É inconcebível a ingerência do Poder Legislativo de Goiás nas decisões do Poder Judiciário goiano, especialmente quanto ao seu funcionamento e adequações internas;
2) Embora não tenha sido formalmente cientificado do conteúdo do referido Decreto, este Tribunal de Justiça tomará, oportunamente, as medidas legais cabíveis a fim de garantir a necessária autonomia e independência do Poder Judiciário do Estado de Goiás.
Desembargador Vitor Barboza Lenza
Presidente

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