quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Pelos Fóruns da Vida

Há dias menos tristes que outros na rotina de um Fórum, mas não há dias felizes.

Quem conhece o cotidiano forense, bem sabe do que estou a falar.

Dificilmente alguém abrirá a porta de um juiz ou promotor trazendo consigo um sorriso, nem mesmo aqueles do tipo "amarelo" que tanto estampam o mundo, escondendo atrás de suas efígies as preocupações fastigiosas amealhadas pelo pessimismo incôndito. Parece aquela canção do Taiguara: “Só encontro/ Gente amarga mergulhada no passado/ Procurando repartir seu mundo errado...”.

E como tem gente com problemas nesse lado triste do mundo. Os corredores dos fóruns retratam bem essa realidade, engolindo os semblantes ávidos de respostas às preocupações que se agigantam e golfando demora e incertezas nas soluções dos litígios.

Mães aflitas buscam livrar do cárcere seus filhos, cujo manto da maternidade jamais as farão enxergar neles a imagem de um bandido; Casais disfarçam as lágrimas acorrentadas a nós na garganta, esperando a hora da assinatura em um papel qualquer que lhes selará o último adeus, desobrigando-os da vida em comum, muitas vezes sob o olhar lastimoso e magoado dos pequeninos filhos (para os pais há filhos que não são pequeninos ?). Credores palradores deslizam de um lado para outro em busca de receberem seus créditos desaparecidos juntamente com os respectivos devedores. Posseiros desempossados clamam por sua reintegração à terra tomada. Pais buscam justiça para a filha outrora moça, cujo namorado “lhe fez mal”.

Passeiam pelos corredores do Fórum todos os odores do mundo; pernas que caminham incertas, mãos que o casamento ou as algemas unem; corpos que o divórcio separa. Desfilam ali o anátema e o probo, a religiosa e a barregã, o certo e o errado.


Mais a frente, testemunhas mentirosas esperam impacientes o início das audiências, onde poderão encenar a farsa previamente estudada e ensaiada, sem medo de se depararem com o ímpeto da espada justiceira. Nem sempre se dão bem...

O tempo corre aflito num ritmo que os processos e os seus envolvidos não conseguem acompanhar. As horas se transformam em dias, os dias em meses, os meses em anos e, as mesmas faces permanecem naqueles corredores, como se estivessem em estações de trem, incrédulas, esperando a composição ferroviária, ...o vagão da resposta que parece nunca chegar.

No Juizado da Infância e da Juventude, as mães, sem se aperceberem, invocam Chico Buarque para justificar o abandono da prole: “quando, seu moço, nasceu meu rebento/não era o momento dele rebentar/Já foi nascendo com cara de fome/e eu não tinha nem nome pra lhe dar”. E, é o mesmo Chico que me empresta um pouco de si para compreender tudo isso e buscar exemplo nessa “gente que vai em frente sem nem ter com quem contar”, tentando descobrir nelas de onde tiram tanta força, autopeiética esperança e assombrosa fé. “E ai me dá uma tristeza no meu peito/Feito um despeito de um não ter como lutar/E eu que não creio peço a Deus por minha gente/É gente humilde... que vontade de chorar”.


Não obstante essa triste realidade, são os fóruns, ainda, as catedrais improfanáveis dos fracos e oprimidos; albergue aconchegante para os humilhados; última instância dos desesperados. O que nos faz retornar todos os dias a esses corredores, nada mais é que a crença de que, cedo ou tarde, toda a espera aflita, todas as desilusões e angústias serão recompensadas pelo abraço vigoroso e reconfortante da Justiça.

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