segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Reflexões sobre os "privilégios" do juiz

(Por Jolge Alberto Araujo)

Quando fiz meu master na Espanha (tudo por minha conta, utilizando meu período de férias, mas com o intuito de melhorar a minha atividade jurisdicional), o Professor Josep Aguillo, catedrático em Filosofia do Direito na Universidade de Alicante, lecionava: “Ninguém invoca princípio para deixar de cumprir lei para si, mas não tem receio de fazer em relação ao direito alheio”.

E com efeito.

Eu, pessoalmente, nunca vi a imprensa escrita, em nenhum momento alertar que o papel que imprime o seu jornal ou revista (mesmo a pornográfica) é inteiramente imune de tributos ou quantas casas populares seria possível construir caso fossem pagos impostos sobre este tipo de comercialização.

E alguém já viu em algum lugar a imprensa reclamando das verbas publicitárias das estatais? Alguém sabe quanto as empresas públicas com clientes cativos e sem necessidade alguma de investir em publicidade gasta para “divulgar a sua marca”? Pois é, a Caixa Econômica Federal, que tem o grosso de sua clientela no público que recebe através dela benefício sociais como bolsa-família, FGTS, PIS, etc. ou os Correios, que atua em regime de monopólio, certamente distribuem mais dinheiro para as redes de televisão aberta do que todos os demais bancos privados juntos.

Alguém já viu jornalista reclamando da jornada especial de 5 horas ou do regime de acumulação (para cada tarefa a mais o radialista tem direito a um acréscimo salarial, ainda que não implique em mais tempo na sua execução)? Médicos se queixando que a sua jornada é de apenas quatro horas (após isso eles têm direito a horas extraordinárias…)?

E empresário reclamando de incentivos fiscais?

No entanto reclamar de auxílio-moradia é muito cômodo.

Já cansei de assegurar direitos absurdos a trabalhadores de estatais porque a lei lhes beneficiava.

Agora que finalmente reconheceram a mim um direito que eu tinha desde a década de 80 parece que o mundo vai cair… Sou lembrado até em protesto de pelados em Porto Alegre.

E, salvo se alguém for realmente analfabeto, não é difícil perceber que é óbvio que o que a lei assegura, é, em primeiro lugar, o direito a receber moradia do Estado, assim como o recebem os membros dos poderes executivo federal, estadual e municipal e parlamentares.

É um tipo de remuneração indireta que é assegurado para gerente de nível médio de muitas empresas, privadas ou estatais e que, normalmente, é preferido pelos empregadores ao pagamento de salário direto, uma vez que com menos repercussões tributárias e fiscais.

E, neste caso, o fato de possuir residência própria não afeta o direito, simplesmente porque o objetivo do legislador foi, exatamente, deixar de pagar um valor maior de remuneração, assegurando ao magistrado um bem com o qual ele fatalmente teria despesas, ou um salário indireto, perfeitamente legítimo quer para diretores de empresa, governadores de Estados ou zeladores de prédios de condomínios residenciais, mas supreendentemente escandalizante para juízes.

É importante ressaltar que para ser magistrado é necessário que o cidadão tenha um diploma universitário e que pene muito para obter, por concurso, uma vaga em que há, não raro, mais de mil candidatos concorrendo. A partir daí o magistrado passa a decidir casos muitas vezes extremamente complexos, com valores materiais e imateriais gigantescos envolvidos, como a liberdade, vida, família, falências, etc. Assuntos que, certamente, ninguém gostaria de ser apreciado por alguém que está preocupado demais com o seu orçamento para poder se debruçar sobre “problemas alheios”.

Defender moralidade contra o direito dos outros é muito fácil.

Será que é assim que querem que eu julgue? Avaliando a lei conforme uma moralidade média? E se a minha moral for Talibã, neoliberal ou socialista, tudo bem?

Ou é melhor aplicar a lei mesmo?


(Minha casa na visão da imprensa)


Um comentário:

  1. Ninguem reclama do beneficio mas sim do valor aviltante carissimo juiz.

    ResponderExcluir