quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A MORTE DE NESTOR KIRSHNER

Deputado federal, secretário-geral da União das Nações Sul-americanas (Unasul), presidente do Partido Justicialista (peronista) e virtual candidato à sucessão de Cristina Kirchner no próximo ano, a morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, altera sem perspectivas de previsões lógicas o futuro político da Argentina
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ÚLTIMA ELEIÇÃO - O ex-presidente da Argentina Néstor Kirchner cumprimenta eleitores ao sair de uma sessão eleitoral, em Buenos Aires, nas eleições de 28 de junho do ano passado quando concorreu e ganhou uma cadeira de Deputado Federal
Fontes: Veja - Abril, Veja, Estadão, O Globo, O Globo , O Globo

O corpo do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, que morreu na manhã desta quarta-feira vítima de problemas cardíacos está em Buenos Aires, sendo velado na Casa Rosada.

Aos 60 anos, Kirchner, que tinha histórico de problemas no coração, estava na cidade de El Calafate, na Patagônia, com a mulher e presidente do país, Cristina, quando passou mal. Ele chegou a ser levado ao hospital, mas os médicos não conseguiram reanimá-lo.
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VELÓRIO - O esquife com Kirshner no salão principal da Casa Rosada, velado por amigos, sua mulher Cristina e sua filha Florencia
Kirchner será o primeiro ex-presidente argentino a ser velado fora do Palácio do Congresso desde sua inauguração, em 1906. O velório na Casa Rosada foi pedido da própria Cristina, que viajou junto ao corpo do marido para a capital.

Florencia, filha do casal, que estava nos Estados Unidos, chegou à Argentina desde a noite dessa quarta feira.

O enterro do político será no sábado na província de Santa Cruz, a mesma onde nasceu e morreu. Inúmeros líderes mundiais, notadamente da América Latina já confirmaram que estarão presentes.
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PIXAÇÕES  - Buenos Aires amanheceu cheio de inscrições em homenagem aos Kirchner
No último ano, Kirchner precisou ser internado de urgência pelo menos duas vezes. Os médicos haviam recomendado uma mudança no seu estilo de vida agitado para evitar mais complicações cardíacas.

Em 11 de setembro, Kirchner foi submetido a uma angioplastia, em hospital de Buenos Aires, tendo alta no dia seguinte. Na ocasião, o ex-presidente recebeu o implante de um stent para melhorar o fluxo sanguíneo. Ele era apontado como um dos favoritos para a eleição presidencial argentina de 2011.
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OS KIRSHNER EM CAMPANHA, 1989 - Os dois namoraram por apenas seis meses e só se separaram, com a morte, 35 anos depois, apesar de mexericos de brigas e infidelidades
Deputado federal, secretário-geral da União das Nações Sul-americanas (Unasul), presidente do Partido Justicialista (peronista) e virtual candidato à sucessão de Cristina Kirchner no ano que vem. Néstor Kirchner acumulava todas essas posições. Ao longo dos últimos sete anos, Kirchner marcou a política argentina com a estratégia de "bater e depois negociar". Era o chamado "Estilo K".

Kirchner utilizou essa fórmula nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), os credores privados, as empresas privatizadas de serviços públicos, militares, ruralistas, mídia, Igreja Católica, partidos da oposição, redes de supermercados, companhias de combustíveis, exportadores de carne bovina e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entre outros.
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APOIO ENLUTADO - Os argentinos agora apóiam Cristina e lamenta a morte de Nestor, apesar do casal, antes da morte dele, está com a popularidade baixíssima
A fórmula lhe rendeu um grande número de inimigos. Mas também lhe permitiu acumular poder e popularidade nos setores da centro-esquerda. A hegemonia kirchnerista foi acompanhada de uma série sem precedentes de escândalos de corrupção. Kirchner foi acusado de enriquecimento ilícito, de favorecer empresários amigos e de negócios obscuros com o governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Facilmente irritável com os grupos não alinhados ao seu governo, Kirchner aplicou forte pressão contra a mídia que criticava sua gestão.
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BANDEIRA A MEIO PAU - A Casa Rosada, sede do governo argentino, amanheceu ornada com cartazes com homenagens e apoio a família Kirshner e a bandeira argentina hasteada a meio pau, em sinal de luto
Em 2003 Kirchner foi às urnas no primeiro turno das eleições presidenciais e ficou em segundo lugar, com 22% dos votos. Seu rival, Menem ficou em primeiro, com 24%. No entanto, nas semanas seguintes, durante a campanha para o segundo turno, as pesquisas indicavam que ao redor de 70% dos eleitores votariam em Kirchner como um voto anti-Menem. "El Turco", como Menem era chamado popularmente, desistiu do segundo turno eleitoral.

Dessa forma, com menos de um quarto dos votos, Kirchner foi empossado presidente. Ele foi o presidente menos votado da história argentina. Tudo indicava que ele seria um presidente fraco, sem poder próprio, que dependeria de seu padrinho Duhalde. No entanto, no primeiro ano e meio de seu governo conseguiu desvencilhar-se da imagem de "marionete" ao criar uma esfera própria de poder.
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ÚLTIMO ADEUS - Uma multidão de milhares fazem fila diante da sede do governo argentino, para prestar a última homenagem ao ex-presidente Néstor Kirshner
Em 2007, "El Pinguino" (o Pinguim), como era chamado, estava no auge de seu poder. Ele tinha a obediência de 19 dos 23 governadores, controlava o Senado, a Câmara de Deputados, tinha influência na Corte Suprema de Justiça e contava com o respaldo da maior parte da mídia argentina. Com o poder no apogeu, tomou a decisão inédita no mundo de colocar sua própria mulher como candidata à sucessão presidencial. Com seu respaldo e toda a máquina do governo, elegeu Cristina Kirchner.

Nos primeiros meses de 2008, diversos setores começaram a exibir resistência à política dos Kirchners. Primeiro foram os ruralistas, que deslancharam uma série de greves. Depois foi o próprio vice de Cristina, Julio Cobos, que rompeu com os Kirchners e se transformou em presidenciável. Na sequência, Kirchner intensificou seus ataques aos meios de comunicação e deflagrou uma guerra pessoal contra o Grupo Clarín, a maior holding multimídia da Argentina.

No ano passado, Kirchner sofreu uma derrota histórica ao perder as eleições parlamentares na Província de Buenos Aires para o empresário Francisco De Narváez, um novato na política.

A morte do político argentino é resumida pelo professor de relações internacionais, da USP, Alberto Pfeifer, como “equivalente a um terremoto no cenário político! Argentino.

”Era de conhecimento geral a influência dele sobre a sua esposa, Cristina, e também em outras instâncias da administração. Era ele que articulava a base de apoio ao governo.”

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PASSAGEM DO BASTÃO PRESIDENCIAL - Em julho de 2008, segundo a escritora argentina Sylvina Walger, Néstor Kirchner tentou obrigar a mulher a renunciar. Cristina negou-se e, por sua rebeldia, parou num hostpital por ter levado um soco na cara desferido pelo marido.
“A saída de Néstor Kirchner de cena transforma Cristina em uma interrogação muito grande. Ela deve ter bastante dificuldade. Além do impacto emocional, vai perder o seu conselheiro político. O casal foi colecionando inimigos, se livrando de assessores ao longo do tempo. Foi realmente um golpe muito grande para ela: perdeu o esposo, o companheiro e também a pessoa que a ajudava”.

”Era ele que organizava a gestão de Cristina. Ajudava ou mesmo definia as medidas e toda agenda política do governo. Decidia também quais seriam os aliados em torno da presidente. A presidente era quase um títere: um boneco que ocupa um posto para seguir as linhas ditadas por outro. Ela não era política, não tinha nenhuma expressão e só foi alçada à presidência por causa dele. A carreira política de Cristina sempre foi à sombra do marido. Ela havia sido senadora, mas também por causa da influência dele.”

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FRIA PATAGÔNIA - O casal residia por opção na fria província de Santa Cruz, terra natal de Kirchner, em plena patagônia
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“A morte dele altera todo o cenário político para as eleições de 2011. Candidato ou não, ele seria determinante nesta escolha. Pode até ser que a percepção popular sobre a Cristina não mude, já que o casal era especialista em mau governo. Porém, o mais provável é que ela se enfraqueça, abrindo espaço para que outras correntes dentro do Partido Justicialista se apropriem desse espólio. A tendência é surgir outra força dentro da legenda”.

”A oposição, provavelmente, terá cuidado porque qualquer movimento agora pode ser entendido como oportunismo. Sempre que uma pessoa morre é assim. Os opositores vão ter de passar um período de luto antes de atacar Cristina. Agora ela estará protegida por esta “dor de viúva” - concluiu o professor Alberto Pfeifer.

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