sábado, 23 de janeiro de 2010

Para liberar preso, juiz cita decisão de Asfor Rocha

Sob o título "Asfor Rocha faz escola em Coité", o juiz direito Gerivaldo Neiva, da comarca de Conceição do Coité (BA), transcreve em seu blog (*) a determinação de soltar imediatamente um preso com base, entre outros motivos, no princípio da insignificância e na impropriedade do anonimato. Em relação à denúncia anônima, o magistrado cita, entre os precedentes, a decisão recente do ministro Asfor Rocha, presidente do STJ, de suspender as investigações da Operação Castelo de Areia: 

Autos: 0000191-89.2010.805.0063 – Comunicação de Prisão em Flagrante

Acusado: FJS

Ligação anônima. Denúncia da prática do crime de roubo. Visita de policial militar a residência do acusado. Descaracterização do flagrante. O anonimato não autoriza a persecução criminal e, muito menos, a prisão em flagrante na residência do acusado, altas horas da noite. Violação do princípio constitucional que veda o anonimato. Roubo simples de um relógio. Princípio da insignificância. Acusado sem antecedentes. Liberdade que se impõe.

A autoridade policial comunicou a este Juízo a prisão em flagrante de FJS, acusado da prática do crime de roubo.

Informou o condutor, policial militar, que estava de plantão quando foi informado, por volta das 23 horas, “através de ligação anônima”, que um “elemento” com as características físicas de FJS, “vulgo” T., tinha sido visto agredindo a vítima e lhe roubando um relógio de pulso e mais a quantia de R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Em seguida, informou que solicitou o auxílio de um colega e “estiveram na casa do elemento, chamaram pelo nome, ao atender lhe deram voz de prisão conduzindo-o para a Delegacia”.

Interpretando o artigo 5º, IV, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o “anonimato” não autoriza a persecução criminal:

Anonimato – Notícia de prática criminosa – Persecução criminal – Impropriedade. Não serve à persecução criminal notícia de prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos civil e penal, de quem a implemente.

(HC 84287, Rel. Min Marco Aurélio, julgamento em 7.8.07, DJ de 23.11.07).


Orientado por este entendimento, em caso recente de grande repercussão nacional, o Ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, suspendeu decisão de juízo de primeiro grau que recebera denúncia contra executivos de uma grande empresa nacional, argumentando:

Cumpre observar que o sistema jurídico do País e o seu ordenamento positivo não aceitam que o escrito anônimo possa, em linha de princípio e por si, isoladamente considerado, justificar a imediata instauração da persecutio criminis, porquanto a Constituição proscreve o anonimato (art. 5º, IV), daí resultando o inegável desvalor jurídico de qualquer ato oficial de qualquer agente estatal que repouse o seu fundamento sobre comunicação anônima, como o reconheceu o Pleno do STF no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Cézar Peluso (DJU de 11.11.2005), ainda que se admita que possa servir para instauração de averiguações preliminares, na forma do art. 5º, § 3º, do CPP, ao fim das quais se confirmará – ou não – a notícia dada por pessoa de identidade ignorada ou mediante escrito apócrifo. Nesta Corte Superior a orientação dos julgamentos segue esse mesmo roteiro, destacando dentre muitos e por todos o que decidido no HC 74.581 (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 10.03.2008) e no HC 64.096 (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 04.08.2008).

(Decisão monocrática proferida no HC 159.159 – SP, em 14 de janeiro de 2010).


Além disso, trata-se de roubo de um relógio de pulso e mais R$ 25,00 (vinte e cinco reais), tendo o acusado confessado o crime apenas em relação ao relógio, que foi devolvido à vítima, sem provas de uso de violência ou arma de fogo. Também não há notícias nos autos acerca de antecedentes do acusado, que apenas informou nunca ter sido preso ou processado.

Nesta hipótese, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, vem aplicando o princípio da insignificância para excluir a tipicidade, vez que presentes as exigências estabelecidas por aquela corte: (i) a mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) a nenhuma periculosidade social da ação, (iii) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (iv) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor).

Neste sentido, em julgamentos recentes:

AÇÃO PENAL. Delito de furto. Subtração de aparelho de som de veículo. Tentativa. Coisa estimada em cento e trinta reais. Res furtiva de valor insignificante. Inexistência de fuga, reação, arrombamento ou prejuízo material. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento, quando tenha sido condenado.

HC 92988 / RS - Relator: Min. CEZAR PELUSO - Julgamento: 02/06/2009 - Órgão Julgador: Segunda Turma - Publicação - DJe-118 de 26.06.2009 – Partes: Pacte.: Ezequiel Castro da Rosa - Impte.: Defensoria Pública da União - Coator: Superior Tribunal de Justiça.

AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de roda sobressalente com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser afastada a condenação do agente, por atipicidade do comportamento.

HC 93393 / RS - Relator: Min. CEZAR PELUSO - Julgamento: 14/04/2009 - Órgão Julgador: Segunda Turma - Publicação - DJe-089 de 15.05.2009 – Partes: Pacte.: Roque César Rodrigues - Impte.: Defensoria Pública da União - Coator: Superior Tribunal de Justiça.


Por tudo o exposto, em face da impropriedade do anonimato para autorizar a ação policial na forma como aconteceu, bem como em face do princípio da insignificância, DEIXO DE HOMOLOGAR o flagrante e determino a imediata soltura do acusado FJS, já qualificado nos autos.

Expeça-se o Alvará de Soltura.

Conceição do Coité, 20 de janeiro de 2010

Bel. Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito

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