terça-feira, 3 de novembro de 2009

O isolamento social dos magistrados


Por Siro Darlan


Os jornais voltam suas manchetes contra os magistrados, que no exercício de sua função judicante, soltam presos que já cumpriram os pressupostos legais para obterem os benefícios que a lei confere. Influenciados por tais manchetes, o povo se manifesta com críticas veementes à magistratura.

Quem está com a razão? Os juízes, revoltados, reclamam dessas críticas injustas e respondem “apenas cumprimos a lei”. Os oportunistas replicam que a lei deve ser interpretada em favor da sociedade e que em ambiente de tanta violência essa justificativa é falha.

A história é a mestra da vida e esse é o momento de procurar paradigmas e antecedentes históricos. A magistratura francesa pré-revolução era formada pela burguesia elitizada, que compactuava com a nobreza e se afastara do povo para servir-se do poder que lhe fora outorgado. Distante do povo, deixou de comunicar-se com ele, e a linguagem apreendida passou a ser aquela que os detentores dos meios de comunicação social queriam que prevalecesse. Os magistrados franceses haviam adquirido tanto prestígio, preocupados muito mais com seus próprios interesses do que com o interesse público, afastaram-se de tal forma de sua missão institucional de distribuir a justiça que contribuíram para a eclosão da Revolução Francesa.

Não foi sem razão que foram os primeiros a experimentarem os fios afiados das guilhotinas. O governo Lula implantou uma série de mecanismos reducionistas desse poder absolutista, um deles o Conselho Nacional de Justiça, que serviu para disciplinar os excessos e, algumas vezes, foi o próprio CNJ o responsável por alguns excessos, nessa faze inicial de ajustes e reajustes.

Nesse cenário, a população se deu conta do distanciamento entre a garantia de seus direitos fundamentais e sua magistratura. Provocados por alguns aproveitadores interessados no enfraquecimento dessa instância de poder, o povo aproveita qualquer brecha para atirar suas pedras e gritar como fazem as turbas ensurdecedoras contra toda a magistratura, sem se dar conta de que só o fortalecimento do Judiciário pode garantir ao povo acesso aos seus direitos negados pela falta de políticas públicas do Executivo e ausência de ética e de sinceridade no exercício de seus mandatos por parte de muitos parlamentares.

Tenho ouvido muitos lamentos de colegas magistrados que, entristecidos e desanimados reclamam do tratamento recebido, já que são tantos os sacrifícios na vida de um juiz, tantos dias e noites dedicadas ao estudo e resolução dos processos, com graves prejuízos da relação familiar. Tantos os prejuízos para a saúde com aposentadorias e mortes precoces para tão pouco reconhecimento.

Talvez devamos refletir sobre esse distanciamento do povo. Muitos contestam que a Justiça deva atuar socialmente, embora toda sentença seja um ato político em prol da paz social e, conseqüentemente beneficiando a sociedade. Quantas vezes buscamos sensibilizar magistrados para a necessidade de serem mais abertos ao diálogo com as partes, os advogados, seus servidores e profissionais afins como membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a resposta é negativa? Quantas vezes esperamos respostas positivas para uma maior participação nas ações sociais de aproximação da Justiça de seu povo e não obtivemos?

Não são poucos os magistrados que ainda preferem uma imagem plasmada por Piero Calamandrei de juízes insulados em seus gabinetes onde permanecem horas e horas para não sofrerem as influências externas. São juízes para os quais “o que não está nos autos não está no mundo”. Isolam-se mais ainda quando alçam aos tribunais superiores, onde só se encontraram com papéis e querem distância das pessoas.

Há uma realidade além dos processos que um juiz insulado não consegue captar, e, se fica longe dos choques do cotidiano, como se pode decidir se um doente precisa de remédio, se um adolescente que nunca esteve numa escola rouba para comer, como um operário tem seu salário subtraído pode esperar anos por uma decisão sobre seu direito?

Nos dias atuais, um juiz que não se comunica, que não se justifica para a sociedade suas decisões, mas “só fala nos autos”, está fora da sociedade da comunicação que essa grande aldeia se transformou. A sociedade quer juízes integrados com seus anseios, humanos e falíveis que precisam dialogar com todos os seguimentos sociais. Entender sem preconceitos o movimento dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem- trabalho. Nem mesmos os religiosos mais radicais persistem no silêncio dos claustros.

Ansiamos todos por uma magistratura mais comunicativa, mais vibrante e cidadã. Os meios de comunicação estão aguardando a palavra do juiz que fala além do processo e arregaça as mangas para a construção de uma sociedade mais democrática e justa. Antes que o chamado controle externo nos aniquile enquanto poder, precisamos exercitar nosso controle interno aperfeiçoando nossas instituições que precisam de uma injeção de democracia com uma maior e mais eficaz participação de todos na administração dos tribunais. Investimentos na primeira instância, que melhor aparelhada e disponibilizada para a população, garantirá um acesso mais universal e gratuito para distribuição da justiça e, sobretudo, uma política de portas abertas para o povo que é o verdadeiro dono do poder que em seu nome devemos exercer.

* Siro Darlan é desembargador, membro da Associação Juízes para a Democracia e da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais – Abramppe

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