quarta-feira, 3 de julho de 2013

Com milhares de ações, engenheiro Bottura testa tolerância da Justiça

Assim como a eficiência dos governos é colocada à prova em momentos de crise, a saúde do Judiciário só é testada quando sua capacidade é desafiada. Luiz Eduardo Bottura, que se identifica como engenheiro, decidiu mostrar que a estrutura judiciária pode ser usada com a finalidade oposta da sua destinação.
Autor de, pelo menos, 981 processos e réu em outros cerca de mil, o engenheiro costuma pedir — e conseguir — gratuidade de Justiça. Seu custo para os cofres públicos já passa de R$ 3 milhões, levando em conta o valor de R$ 1,6 mil por processo, que é possível obter dividindo o total das despesas da Justiça estadual pelo total das sentenças concedidas em 2011 — último dado disponível.
Bottura ajuíza centenas e centenas de ações como quem aposta na loteria. Quase sempre sem sucesso — e por isso já foi condenado pelo menos 239 vezes por litigância de má fé. Mas às vezes consegue algo. Foi o que aconteceu dias atrás, quando ele conseguiu uma ordem do juiz Vitor Frederico Kümpel, da 27ª Vara Cível de São Paulo, que chamou a atenção por ser tão sui generis.
Kümpel determinou que o órgão executivo do gestor da Internet brasileira tirasse do ar Google, Youtube, Blogspot e o site da revista eletrônica Consultor Jurídico, caso não sejam apagadas da rede notícias sobre as ousadas peripécias de Bottura. A lista dos alvos prevê a mesma pena para portais como Yahoo!, Terra, Bing, Observatório da Imprensa, revista Istoé Dinheiro, entre outros veículos.
Bottura usou nessa ação a mesma técnica aplicada nos 531 processos contra advogados; 30 processos contra desembargadores; dezenas de juízes; oito delegados de polícia e órgãos como a corregedoria de justiça do TJ-MS; a Associação Paulista de Magistrados; a Ordem dos Advogados do Brasil; empresas e desafetos. Seu alvo preferido é seu ex-sogro, Adalberto Bueno Netto, a quem acionou 215 vezes. Sua ex-mulher ficou com 76 processos. Já o advogado Fernando Eduardo Serec foi “premiado” com 198 ações.
A técnica de Bottura é rechear suas petições iniciais, que costumam ser longas, passando do milhar de páginas, de lorotas e imposturas. Uma artimanha é informar o juízo o endereço errado de suas vítimas. Como ele sabe da inconsistência de suas acusações, não lhe interessa que o processo prossiga. Mas como o acusado jamais será localizado, ele se sente autorizado a dizer que o acusado é “foragido” ou está “fugindo” do oficial de justiça. Outro truque recorrente é afirmar na inicial que seu alvo foi “subornado”. Diz ter prova disso e que documentará a imputação posteriormente. No caso da ConJur, cujo endereço consta em diversos espaços no site (Rua Wisard, 23, Vila Madalena, São Paulo – SP), Bottura já disse à Justiça que um editor do site seria encontrado em Araçatuba (a 527 km da capital paulista).
Segundo informações da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, o autodenominado engenheiro chegou a apresentar petição em processo como se fosse o advogado da parte oposta e juntou em outros processos para complicar a vida da sua vítima. Acionar juízes em profusão é sua técnica preferida para torná-los impedidos de julgar seus processos. Sua coleção de “atalhos”, certamente, rende um almanaque.
Ele encontrou uma forma peculiar de se vingar do delegado que o prendeu por estelionato e falsificação de documento no Mato Grosso do Sul. Ele o processou, assim como fez com o secretário de Segurança do estado, porque o site oficial do órgão noticiou a sua prisão. Bottura diz que sua prisão foi considerada ilegal e que tem procedimento no Conselho Nacional de Justiça para investigar (0001659-20.2013.2.00.0000).
Só no Supremo Tribunal Federal ele é parte em 66 processos. No STJ, em 99 e no CNJ é autor de 21 representações. Este site não mereceu tanta distinção: foi processado apenas 8 vezes por noticiar as aventuras jurídicas de Bottura.
Do que se sabe, ele já ajuizou mais de mil ações contra pessoas que o contrariaram. Mas ele também é campeão de audiências no polo passivo. Acusado de ter vendido produtos pela internet sem entregar as encomendas, só em são Paulo ele foi processado por 500 lesados. 
Pesquisas pelo seu nome no acompanhamento processual dos sites de tribunais costumam retornar com a informação de que o número de registros é grande demais para exibição de resultado. Segundo o jornal eletrônico MidiaMaxNews, Bottura enfrenta várias ações penais e inquéritos policiais instaurados sobre prática de crimes de estelionato, contra a honra, extorsão, uso de documento falso, coação no curso do processo, denunciação caluniosa e falsidade ideológica. Ele distribuiu dossiês atacando a honra de suas vítimas, segundo a Polícia Civil.
Em todo Brasil, dizia o site em 2009, existem mais de 900 processos instaurados contra Eduardo Bottura: destacam-se 300 processos em São Paulo dos quais 100 ações cíveis (danos morais e materiais), 120 ações trabalhistas (de ex-funcionários de suas empresas), 94 protestos de títulos, 33 pendências em âmbito administrativo feitas por terceiros prejudicados por ele e 12 inquéritos e processos criminais abertos por empresários, ex-sócios e outros prejudicados por suas atitudes.
No Supremo, aliás, obteve apenas uma pequena decisão favorável. Em outubro do ano passado, a ministra Cármen Lúcia, acolheu os argumentos de Bottura e considerou que 18 exceções de suspeição por ele ajuizadas contra desembargadores do TJ-MS eram de competência do Supremo. Por decisão da ministra, elas caíram uma a uma este ano.